composição sobre chapéus

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Não consigo resistir a uma montra com chapéus. Não sou muito dada à utilização de acessórios, porque me pesam. Literalmente. Sinto alguns deles - como os brincos, colares e pulseiras -, como um corpo estranho ao dependuro na minha carne. Como um cão ou um gato, quando se lhe coloca uma mola da roupa na orelha. No início incomoda-os muito, eventualmente acabam por se habituar sem deixar, no entanto, de ir lá com a pata de vez em quando. Esta é a minha relação com os acessórios, no geral. Pesam-me.

Os chapéus, apesar de acessórios, são outro mundo. Primeiro porque não são de pendurar, são de “pousar” e só esta ideia torna-os mais confortáveis, suaves e extensivos do limite da cabeça. Se nos pés temos o chão, de onde não podemos passar, na cabeça não temos nada, ou temos tudo o resto. O resto do mundo.


  
Gosto de chapéus no inverno, porque acho que perco calor pela cabeça. Como as janelas que têm frinchas. E servem-me de rolha. Gosto de chapéus no verão, porque o sol aquece-me a moleirinha e os pensamentos e prefiro andar com pensamentos de temperatura média, para não queimar os miolos. Tenho mais dificuldades com os chapéus nas meias estações, porque não tenho frio, nem calor. Mas uso-os na mesma.

Como dizia antes de começar a declarar o meu amor aos chapéus, não consigo resistir a uma montra com chapéus, mesmo que não goste de nenhum deles.


Há dias passei por uma chapelaria que se chama “Atelier Carmen Hernán, e como se uma montra de chapéus não fosse já por si própria intimidante suficiente, ainda tive de tocar à porta para bisbilhotar o que lá havia dentro e experimentar alguns modelos.


Chapéus há muitos, mas poucos os que nos assentam bem por isso é importante, sempre que se vir um chapéu que assenta, não perder a oportunidade de o levar para casa. Dificilmente haverá outra oportunidade igual e passaremos o resto na vida a pensar naquele chapéu, que deixámos ficar na prateleira. “Antes arrepender-me do chapéu que comprei, do que daquele que deixei”, quem dizia isto? Ninguém. Acabei de inventar, mas podem-me citar sempre que vier a propósito.

A porta foi-me aberta por uma mulher baixinha, morena, com um turbante/chapéu, um fato de saia e casaco que podia ser clássico, mas não era, e com os lábios pintados de vermelho. Era a dona da loja. A Carmen. Não era intimidante, como a sua loja de chapéus, e tinha uma voz aguda. Se falasse francês e se chamasse Marie, podia ser uma personagem de um filme do Jeunet, que escondia nas traseiras da loja uma máquina de manivela de fazer sonhos que colocava, à socapa, nos chapéus que vendia.

Como estávamos em Madrid, Carmen seria mais credível como personagem de um dos filmes do Álmodovar, que tinha fantasias sexuais com o Cristiano Ronaldo, em cima de montanhas de chapéus de vários formatos e cores e materiais.




Depois que experimentar o primeiro acessório, percebi que metade da loja era o atelier, onde esta criatura produzia os chapéus. À mostra tinha os materiais, os moldes, as linhas, a máquina e aquela loja ganhou ainda mais encanto. Nunca tinha visto ninguém a fazer chapéus.


O primeiro chapéu que experimentei era bonito e ficava-me bem, mas não o comprei, porque não tinha dinheiro para ele. Não porque fosse caro.

 Apetecia-me ficar a falar com a Carmen, mas tinha um avião à espera que, ironicamente, não esperaria. Disse-lhe que gostava do seu trabalho e pedi-lhe para tirar umas fotografias. Expliquei-lhe que iriam parar ao meu blogue, mas que não se entusiasmasse, porque só era lido por três pessoas (e uma era da minha família). Percebeu isto mal saquei do telemóvel para tirar umas fotos amadoras e falou das maravilhas da tecnologia. Depois arrependi-me do meu comentário, com medo que isso a desiludisse e me expulsasse da loja. Expliquei-lhe que eram poucos os leitores, mas de grande qualidade. Como os chapéus dela.  Pareceu-me que era indiferente à “tiragem” do meu pasquim online.

É autodidata e em 2007 fez o seu primeiro chapéu e descobriu que esse era o seu caminho. A comunicação social interessou-se pelo seu trabalho e fez o resto. Tentei tirar-lhe uma foto. Disse que preferia que fotografasse os seus chapéus. Prometi que lhe enviava um link do meu blogue que tinha um nome um pouco complicado (para um espanhol, mas omiti esta parte)

Vim-me embora a correr com medo de perder o avião e com a cabeça nos chapéus. Lembrei-me que chapéus não há assim tantos, e que se não tivesse nascido com duas mãos esquerdas (sendo eu dextra), me dedicava a fazer chapéus.